terça-feira, 6 de novembro de 2012























Mergulho.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Há entre o jardineiro e o andarilho algumas diferenças cardeais. Um cultiva, o outro não, o outro é cultivado pelo mundo. Ao passo que este, a pé e vagaroso, atravessa com sua passada fronteiras, rios e convicções, aquele, entrementes, semeia e cerca sua horta, seu campo, nada maior nem mais vasto que a amplitude humana de seu olhar. Um pensa em regar o manjericão ou a salsa ou os tomates ou as azaleias ou o alecrim e deseja que, em troca gratuita e incondicional – assim acredita ele –, a horta ou o campo ou apenas a bromélia na beira da varanda lhe dê um pouco de ar, e que o pouco seja suficiente para regar seus brônquios. Assim é, reflete consigo, e assim continuará sendo. O outro não pensa e segue, segue solto, ignorante das ervas daninhas; vê nas trepadeiras mera possibilidade de escalar um muro, porque ele é trepadeira também e no fim não se importa com alcançar o topo, apenas quer por querer admirar o que há do lado de lá, e não foge, apenas quer por querer seguir; mas deseja  nem querendo escapa dos desejos –, em troca gratuita e incondicional – assim acredita ele –, que o mundo cuide dele. Não sei o que é, reflete consigo, e continuarei sem saber. O jardineiro está a um passo de desabrochar-se em andarilho e o andarilho é uma semente que, a despeito de Leste ou Oeste, pode, um dia, cercar.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

do que se diz sobre o delírio vale a pena
repetir que ele sufoca mas dá fôlego,
consome mas nutre, estremece mas sustenta;
acrescentar que arde ardido, mais ardido que a pimenta
e nos deixa tão-tão-contente em ser utensílio de quaisquer sentenças;
tateia no escuro e segue reto-sinuoso à penugem do pêssego,
porque o delírio, este delírio, aquele delírio,
 coisa que uns chamam de colírio e é digna rima de Helena 
inflama e tira um a um do sossegado sossego,
coisa que outros jamais experimentam;
combate a monotonia, combate,
combate a monotonia, combate,
combate a monotonia, combate,
e me deixa divagar devagar sobre o que vale a tinta da pena.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Disse, há cerca de um sol, que as palavras me pareciam insuficientes. A gente tem, também, nossas translações. Me pego de novo com aquela ideia de que as palavras, agora, não falam; eu as empunho aqui só pra demonstrar, entende? Em pessoa talvez fosse melhor mas tenho, incontestavelmente (você concorda), um jeito estranho e ao avesso de me expressar. Elas podem ser úteis... foi com elas que elogiei as tuas curvas e falei do embalo da nossa onda, e a onda ainda gira, gira não por hábito ou repetição do que poderia já ter-se tornado conveniente; não acredito que um giro tão violento e estimulante se mantenha por mera rotina. Não quero falar de amor e você sabe o porquê: aquele papo das palavras. Mas queria, se é possível, renovar o que, para mim, me fascina e é sempre fresco; queria, e possível  é, rugir e te dar a lua novamente.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Gosto do entardecer visto pela janela do banheiro. De ser lembrado. Mergulhar, de ressaca, no mar. Acordar, abrir a persiana e sofrer de cegueira momentânea. Gozar. Chorar. Gosto do que me faz mal e do que me faz bem, do que me dá prazer e do que me traz dor  há na dor também um tanto de prazer. De esquecer. Sentar, sozinho, na areia. Gozar. Rir. De gosto ruim não gosto – não costumo gostar. (Minto.) Partir gosto, dividir não gosto, ir sem ninguém gosto, acompanhado gosto igual, não gostar gosto, mas pode ser difícil gostar de gostar – ou gostar do que se gosta. Gosta? gosto Mesmo? às vezes Então, sim ou não? sim e não, ou não e sim, se assim preferir E o que acha? de? Isto ou aquilo, este ou aquele, o que preferir, não? isto, este É? aquilo, aquele É? sim, tudo Quanto? um tanto de tudo

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ruptura.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O vento balança a saia da copa das árvores e a água se lança feito línguas ardentes numa tentativa já fracassada de lamber o tronco das tais árvores, em busca de um instante qualquer, final, carnal. Pois as ondas não as alcançarão e, inevitavelmente, vão desfalecer sobre o asfalto, onde, inquestionavelmente, serão levadas embora pelo mesmo vento que um dia as encorajou a alcançar o outro lado. Derramar-se me soa sensato: reconhecer que a gente não passa de um feixe de luz mergulhando, sem pressa nem propósito, no azeite. Pois não basta seguir no sentido contrário, muito menos se apressar. Pode ser, aliás, que nada baste, nem mesmo uma escolha sensata. Ignorasse a estridente mudez rotineira, estaria livre do estado ao qual recuamos – aqui, recuar não teria o sentido habitual de voltar para trás; não se contraporia a avançar, apenas significaria retornar ao começo, apenas retornar ao centro, que é, afinal, de onde partimos e de onde jamais partimos.

terça-feira, 17 de julho de 2012

não há trégua.
permaneço.
e é bastante difícil, hoje, continuar acreditando naquelas verdades;
difícil saber se alguma vez as certezas não passaram de dizeres convenientes.
mas até que ponto não vale a pena mentir para si mesmo?
aqui ou ali, tanto faz, o mar se passa por gêmeo do céu, e as ondas não se levantam mais e a monotonia azul me apaga e eu não sinto falta delas, das ondas.
tédio.
a ferida sem cicatriz se chama tédio, embora também responda por outros nomes.
e por conta da trégua que não vem, os dias exigem, em vez de calmaria, apenas mais turbulência e mais tempestade.
eu não atendo ao chamado que urge.
só permaneço...


permaneço.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Ele é manco, tem um andar que o faz se inclinar um tanto para a esquerda - bem provável que seja canhoto e isso não passe de mera consequência de sua congênita intenção de alcançar* - de tal modo que o outro lado, o direito, forma uma vertente, ainda que imaginária, com o piso. (Cogitemos também - por que não? - que talvez queira apenas tocar o chão, por quaisquer razões que possa ter)*. Certos tipos, lamentavelmente a maioria, não veem no homem nada além do seu aspecto torto - demonstração de que a condição vale mais para eles. Na realidade, e tomemos como realidade uma possibilidade, algo corre pela vertente (aos que precisam de um incentivo verbal mais óbvio, trocar corre por verte). Que algo é este?...

...Devido às circunstâncias, sou forçado a reconhecer que o manco está plenamente ciente de seu andar e que - maldito orgulho! - não anda dessa maneira porque não é destro, mas sim para desaguar no mundo.

terça-feira, 8 de maio de 2012

1) Seja inteiramente Fogo, vertical, por um lado capaz de ascender sem limites e expandir seu poder de criação além das amarras da imaginação, e por outro lado capaz de implodir ao fundo das próprias chamas e jamais tocá-lo. Mas não se esqueça de ser também Fogo horizontal. Saber fluir é indispensável. 2) Ressalva: nunca seja Água. Apenas seja mais como a Água. 3) Quanto à Terra, encontre-a nos detalhes, senão o risco de terminar soterrado faz-se demasiado perigoso. No entanto, a despeito do perigo, permita, de vez em quando, um irresponsável momento de flutuação pura. 4) Dispensa comentários o Ar.

sábado, 14 de abril de 2012

Francisco confrontou o astro (...) sem temor de queimar as retinas (...); como se não quisesse bem aos olhos, como se eles não lhe fizessem mais diferença alguma - quase indesejados -, feito alguém que carrega o peso de ter-se tornado cego, e agora não almeja curar-se da cegueira, mas sim libertar-se da obrigação de vê-la todos os dias.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Num retrato sem moldura, deita-se a musa. Seus cachos leitosos se desmancham devagar. Não se importam comigo o tempo, nem o cotidiano terreno. Somente ela se faz presente, o presente se faz somente nela, etérea, ignorante da própria beleza e existência, a desafiar a verticalidade, como mel desmantelando-se ao prazer dos ventos. Quem esvaece de verdade, no entanto, sou eu, tolo o suficiente para me apaixonar por uma nuvem.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Pelos corredores da cidade brinca o frio, e eu lembro que as estações ainda não se dissolveram; aponta suas alabardas à garganta do litoral o mar de celofane preto, e esquece-se de aquecê-lo. O céu mantém o azul literal de sempre, e o sol se faz par ímpar de todos. Mas nem frio nem mar nem céu nem sol sentem. De todo modo, espero não ter dito nada; convém gozar da incógnita que lança seu olhar de longe, o desconhecido implícito na alegria de versos nascituros.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Labirinto.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Palavras embaladas a vácuo são insuficientes, derrama-se a voz por nada. Ao usá-la corretamente, o locutor escuta com nitidez a diferença que ninguém enxergaria mesmo de olhos esbugalhados - é importante esclarecer que ouvidos são tão insuficientes quanto as tais palavras, pois a audição de que falo não se importa com eles. Há aqueles que fazem uso de sua voz para recordar, alcançar, tocar, contar histórias, há inclusive aqueles que ignoram a própria voz e, por óbvia consequência, são ignorados por ela. A despeito dos que declaram derramar a voz em nome dos sonhos - o que, honestamente, poderia facilmente se encontrar em recordar e/ou alcançar -, voz e sonho são semelhantes. Sendo a voz retrato fiel mas distorcido daquilo que cada um de nós, em sua intimidade, chama de realidade, ambas se traduzem por sonho. Este não deve ser concebido como um cárcere, devemos nos propor a "atravessá-lo para encontrar a verdade além do sonho". Quanto à minha verdade, talvez contar histórias seja, afinal de contas, tanto pergunta como resposta.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sua onda me embrulhou e partiu da enseada, rumo ao sol poente. Ela ainda navega submarina, turbilhão de espuma, e o sol não se pôs. Ao contrário, ele continua a nos banhar com fachos lanceolados, esperançoso que a noite chegue mas ciente de que não se deitará no mar tão cedo. Filho do Mar, faz as águas cálidas verdejarem, a onda que nos envolve assemelhando-se aos triunfos da costa que deixei para trás. Admiro as curvas que rareiam, as que a espuma desenha, as suas. Admito: curva nenhuma jamais foi tão linda.