terça-feira, 30 de agosto de 2011

Não sou cirurgião e muito menos pretendo enfiar o bisturi em qualquer pedaço que me pareça ruim. Sombras existem. Aceite-as. Quanto mais eu insistia em ignorá-las, ceifá-las, vencê-las, mais elas cresciam, se multiplicavam, mais elas me agarravam pelo tornozelo e me acariciavam pelos lados até me tragarem por inteiro. Eu negava, no entanto, que a carícia era prazerosa. Então eu reconheci o prazer, reconheci a parte de mim que tanto me enojava, o que talvez um dia eu tenha chamado de vazio, depois de lugar amaldiçoado, mal-assombrado, um tsunami ou avalanche de aparições que me acertavam e engoliam nos momentos mais inesperados, nas horas mais inconvenientes, na calada da noite ou numa tarde ruidosa. Eu enfrentei o que me devorava vivo. Tive que me encarar, sem receio, sob camadas e camadas de pele, além do que é palpável, tangível, compreensível pela lógica tradicional; tive que questionar minhas próprias tradições e costumes, pegar naquilo que me escapava por entre os dedos, ainda que fosse eu quem fugisse do confronto. Foi então que eu compreendi: eu tinha me dado as costas. Mas agora, enfim de frente, as sombras a um palmo de distância, tudo fazia sentido. A dor pode curar, ela é minha força. E nada mais vai transformá-la em confusão.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Parece que foi tempos atrás e parece que foi ontem. Quando cruzo com uma ambulância, os gemidos sussurram ao pé do ouvido, a recordação de um grito abafado me atinge na contramão. Mas não sou eu, desnorteado, quem vacila desaparecer a cada curva. Não sou a vítima. Laço oportunidades e lanço os dados, os pés agora firmes na terra nua, e a cabeça, ela sim e somente ela, brincando e dançando entre as estrelas.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


Lembra do nevoeiro?

domingo, 7 de agosto de 2011

Dourado. Primeiro, o oceano de ouro que borbulhava pelo corpo inteiro, alimentando as células. Quer dizer, borbulha. É infinito, como uma espécie de mar subterrâneo que se estende de horizonte a horizonte, e o infinito reluz à incandescência de si mesmo. Infinito como o universo. Em segundo, a corrente de faíscas. Ela mostra o caminho. Não sei por que demorei tanto para compreender a semelhança, o parentesco. Não é uma coincidência. Flui de um para outro, continuamente, em expansão, sem fim, nunca um fim.
Está em mim, mais vivo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Estar vivo como um leão na alma do deserto - arder ao estalar de qualquer faísca, mas saber para onde lançar o fogo -, pois ele, felino e solar, distingue bem as coisas que crepitam das que são meramente consumidas, as que tentam das que desistem, as que dançam das que tropeçam, as que amam das que não sabem amar. O mundo é dividido em dois tipos de pessoa: existem as que vivem na realidade, e aquelas que se atrevem a derretê-la para entortá-la, moldá-la. Ser humano é comover - mesmo que custe a pele às feridas, a carne à deriva - e isto é para os que percebem o movimento. Não é por nada que comover se escreve assim.