terça-feira, 23 de outubro de 2012

Há entre o jardineiro e o andarilho algumas diferenças cardeais. Um cultiva, o outro não, o outro é cultivado pelo mundo. Ao passo que este, a pé e vagaroso, atravessa com sua passada fronteiras, rios e convicções, aquele, entrementes, semeia e cerca sua horta, seu campo, nada maior nem mais vasto que a amplitude humana de seu olhar. Um pensa em regar o manjericão ou a salsa ou os tomates ou as azaleias ou o alecrim e deseja que, em troca gratuita e incondicional – assim acredita ele –, a horta ou o campo ou apenas a bromélia na beira da varanda lhe dê um pouco de ar, e que o pouco seja suficiente para regar seus brônquios. Assim é, reflete consigo, e assim continuará sendo. O outro não pensa e segue, segue solto, ignorante das ervas daninhas; vê nas trepadeiras mera possibilidade de escalar um muro, porque ele é trepadeira também e no fim não se importa com alcançar o topo, apenas quer por querer admirar o que há do lado de lá, e não foge, apenas quer por querer seguir; mas deseja  nem querendo escapa dos desejos –, em troca gratuita e incondicional – assim acredita ele –, que o mundo cuide dele. Não sei o que é, reflete consigo, e continuarei sem saber. O jardineiro está a um passo de desabrochar-se em andarilho e o andarilho é uma semente que, a despeito de Leste ou Oeste, pode, um dia, cercar.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

do que se diz sobre o delírio vale a pena
repetir que ele sufoca mas dá fôlego,
consome mas nutre, estremece mas sustenta;
acrescentar que arde ardido, mais ardido que a pimenta
e nos deixa tão-tão-contente em ser utensílio de quaisquer sentenças;
tateia no escuro e segue reto-sinuoso à penugem do pêssego,
porque o delírio, este delírio, aquele delírio,
 coisa que uns chamam de colírio e é digna rima de Helena 
inflama e tira um a um do sossegado sossego,
coisa que outros jamais experimentam;
combate a monotonia, combate,
combate a monotonia, combate,
combate a monotonia, combate,
e me deixa divagar devagar sobre o que vale a tinta da pena.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Disse, há cerca de um sol, que as palavras me pareciam insuficientes. A gente tem, também, nossas translações. Me pego de novo com aquela ideia de que as palavras, agora, não falam; eu as empunho aqui só pra demonstrar, entende? Em pessoa talvez fosse melhor mas tenho, incontestavelmente (você concorda), um jeito estranho e ao avesso de me expressar. Elas podem ser úteis... foi com elas que elogiei as tuas curvas e falei do embalo da nossa onda, e a onda ainda gira, gira não por hábito ou repetição do que poderia já ter-se tornado conveniente; não acredito que um giro tão violento e estimulante se mantenha por mera rotina. Não quero falar de amor e você sabe o porquê: aquele papo das palavras. Mas queria, se é possível, renovar o que, para mim, me fascina e é sempre fresco; queria, e possível  é, rugir e te dar a lua novamente.