sábado, 30 de abril de 2011

Ele a empurrou contra a porta. Ela, como reação às erupções que hesitavam irromper, levou-o ao chão. Rolaram pela sala de estar, o café derrubado sobre o tapete. Manchas e manchas. Cicatrizes, ele disse. Eu te odeio, ela replicou. Não são o que parecem, ele deu continuidade, não passam de mágoas e toda mágoa é levada embora pela água. Mas ela sentia que não choveria tão cedo. Nem sequer havia nuvens ao teto. Ele não enxergava o mesmo, mesmo o enxergar não sendo dele. Chovera, choveu, chove, choverá. Não minta para mim, ela suplicou. Não são mentiras, foi o que ele respondeu, são só verdades diferentes das suas. Ele suspirou. Sabia que era injusto. Ela recolheu os pertences, escondeu o rosto e abriu a porta. Olhou para trás uma última vez, por nostalgia. O olhar dele ainda não a queria ali. Ela inspirou profundamente e deu um passo. A porta ficou entreaberta. Apesar de sentir que não choveria tão cedo, não tão cedo era melhor que nunca mais. Ela sentia, ele pensava. No entanto, depois do furto de fôlego, agora era ela quem sabia. A maior injustiça seria não encostar a porta. Ela fechou-a, recobrou a coragem e se abriu para o que havia adiante. De cabeça erguida.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Só para concluir para completar
ou começar e talvez até mesmo para rir porque
mais vale ter motivos pra sorrir
que pra chorar então eu
me desdobro inteiro ao vento e
aguardo a brisa-transporte me carregar aonde for
e que seja de um jeito ou de outro
para enfim deixar a vírgula agir nesse ponto de exclamação.
Nada pela metade. Desde o início, tudo por inteiro. Sem mais frações, sem mais buscas, até o fim. Todos os fins. Tornar ao intacto sem deter-se em lutas, sem perder-se no caminho, sem deixar-se levar pelo pesar. Armando, entregando, entregando em guardanapos de cór, coração demasiado sóbrio.
Quando todo o oceano murcha em infinitas dunas de um deserto sem lembranças.

Pausa.

domingo, 24 de abril de 2011

Hoje eu não me sinto mais especial. Hoje eu olho para trás e tento entrever por um emaranhado de linhas obscuras o que deu errado. Hoje eu sento. Hoje eu penso. Hoje eu sinto o peso. Vou deixando todos os rios fluírem, fluírem por achar que fiz e faço o melhor, o melhor possível. Sou fiel aos meus sentimentos. Não deveria ser suficiente? Mas preciso lidar com a verdade. Agora não sou mais o menino que se transforma em beija-flor, nem a encantadora de mentes, nem o velho que tenta fugir da morte e muito menos a bailarina em queda livre. Todos em mim, juntos, e nenhum deles capaz de me ajudar. Está na hora de assumir o papel de protagonista.

Asfixia mas dá fôlego.
Consome mas nutre.
Estremece mas sustenta.